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Corpos de Fábrica: Obras de Ana Norogrando (2015-2017)

Corpos de Fábrica é uma exposição monográfica da artista Ana Norogrando (Cachoeira do Sul/RS, 1951), que apresenta sua produção escultórica mais recente, realizada entre 2015 e 2017. Esse conjunto de obras situa-se entre uma visão feminista da existência e uma política investigativa da forma artística, realizada através de procedimentos híbridos que se caracterizam como desviantes da forma canônica, especialmente aquela que ganhou um lugar de consagração dentro da história da arte brasileira a partir do modernismo. Através destas obras, a artista gera um vasto campo de metáforas que apresentam, a partir da escultura, a dinâmica da turbulenta assimetria relacionada às questões de expressão e identidade de gênero e às manifestações do inconsciente.
O emprego de uma variedade de materiais e objetos classificados como “marginais” diante do universo da produção industrial determina a construção de formas que articulam simbolicamente as relações entre o desejo e a liberdade, a vontade e os limites da ação na sociedade contemporânea. Os materiais empregados pela artista e sua existência no mundo uma vez caracterizada como descarte, pelo desuso ou pela obsolescência, fazem com que sua produção inscreva-se dentro de uma tradição artística que possui parentescos com o pós-minimalismo e a arte povera, mas contaminada por um aspecto mestiço e híbrido que se mostra singular.
Dentro de um repertório de assuntos em que estas obras se mostram empenhadas, encontram-se questões de gênero, a diferença como alteridade, a exclusão, os direitos do indivíduo e a marginalidade da forma, inscritas em uma perspectiva histórica e tecnológica que sabemos ser determinantes na transformação do corpo. Podemos considerar, assim, que a artista está engajada em uma abordagem crítica estabelecida a partir de uma visão do corpo como centro político da colonização. Trata-se também de uma política que se inscreve nos sistemas de controle, nos hábitos e costumes, no preconceito e no treinamento pela educação e pela cultura.
Estas obras da artista promovem a noção de que a escultura é um corpo em contínua transformação, partindo de suas manifestações abstratas mais radicais, derivadas em grande parte da grade modernista e sua planaridade, até a verticalidade ocasional da figura. É importante que consideremos que é justamente essa figura que se posiciona agora no espaço, como uma imagem em choque e evolução. Trata-se de uma confluência de partes que, vistas em seu conjunto, caracterizam o que podemos designar como um confronto de imagens que se propõem a investigar continuamente os variados desdobramentos conceituais determinados pela tradição moderna e a partir dela. Esta exposição de Ana Norogrando constitui um universo de possibilidades de realização da forma através de estratégias escultóricas que buscam estabelecer um universo de procedimentos contemporâneos, articulado de maneira a dar conta de uma série de problemas artísticos esteticamente importantes para a atualidade da arte.

Gaudêncio Fidelis
Doutor em História da Arte e curador da exposição

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