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TESSITURAS E TRANSVERSALIDADES: O Campo Ampliado da Arte do Design e da Moda

Ana Zavadil - Curadora-chefe do MARGS

Pela primeira vez, o Museu de Arte do Rio Grande do Sul traz à visibilidade pública uma exposição que aborda o tema arte, design e moda e a sua construção se dá a partir das obras do acervo. O acervo é o núcleo gerador do diálogo entre as três linguagens e apresenta obras de grande impacto visual e de relevância estética e cultural, mostrado de maneira original e geradora de conhecimento, uma vez que, em sintonia com outras áreas da criação propicia novas percepções no espaço museológico.
Geografias da Criação: Arte, Design e Moda é uma experiência na área de curadoria que nos possibilita investigar outros aspectos da produção artística, pois obras canônicas do acervo agora dividem o espaço com criações despojadas das áreas de moda ou de design. A exemplo disso pode-se ver a famosa tela A Dama de Branco do artista Arthur Timótheo da Costa, de 1906, dialogando com as figuras femininas de Beatriz Dagnese elaboradas com nanquim branco sobre papel preto, ou ainda o seu lindo vestido branco de época em contraste com os lindos modelos de Anne e Evelise Anicet ou de Rosane Morais ou ainda com a coleção de vestidos nos desenhos de Didonet Thomaz. As capulanas Moçambicanas, ou seja, os tecidos coloridos usados em roupas nativas e que servem de suporte aos desenhos de Umbelina Barreto favorecem uma tessitura harmoniosa com as obras de Dudi Maia Rosa, Gonçalo Ivo, Ana Flores e Angela Zaffari. Outras tantas composições instigam na busca de diálogos e contaminações entre as obras, quer estejam elas nas formas, nos conteúdos simbólicos, nas cores ou nas texturas, nos temas ou nas suas pesquisas. O que é pano de fundo em obras canônicas agora é objeto de pesquisa na linha dos designers. Esta relação intensa foi almejada através da escolha de todos os elementos da exposição e que pudessem interagir com as obras da coleção do MARGS. Os mecanismos de exibição das obras de forma a criar no espaço do museu novas articulações conceituais em torno do assunto proposto vêm de encontro ao desejo da curadoria de exibir o acervo de uma maneira que demonstre a sua qualidade e a sua capacidade de transformação exatamente quando colocadas em confronto com as obras que vão questionar os princípios de canonicidade.
Esta exposição nos permite adentrar em um universo fértil e criativo, em que a arte, foco central da coleção do MARGS vai se associar com áreas afins para instigar o pensamento em relação à criação. Em muitos momentos a permeabilidade entre elas se fará presente e as contaminações se farão sentir, propondo novas formas de ver.
A moda nos propicia um entendimento sobre a arquitetura têxtil e a roupa em si possui diversas características como movimento, textura, espaço, mobilidade, etc. e nos indica aspectos ideológicos e hierarquias, bem como serve de proteção e sedução. Não deixa de ser uma criação plástica e estabelece um diálogo com o corpo que veste.1
A moda possui diversos significados dependendo do contexto onde está inserida possibilitando várias interpretações. A palavra vem do latim modus e estava relacionada ao gosto. Gilles Lipovetsky, (2009, p.12) 2 dividiu o estudo da moda em duas partes, a primeira refere-se a um sentido específico – fashion. A segunda compreende a moda a partir de diversas abrangências: industrial, midiática, cultural, ideológica, informacional e social. Esta última alcança uma esfera importante no mercado profissional e também é assunto para muitas pesquisas, no que tange ao contexto acadêmico. A palavra design, por sua vez, tem múltiplos sentidos dentre eles o de projeto e planejamento e pode-se pensar na realização de algo previamente planejado, no entanto, a sua especificidade abrange muitos campos como o gráfico, objetos, jóias, moda, etc. e a multidisciplinaridade envolve conhecimentos científicos, técnicos e artísticos. Conforme menciona Coelho (2008, p.188) 3, no design, as atividades consideradas no desenvolvimento do projeto são: a produtividade de fabricação, as questões de uso, função, produção, mercado, utilidade, qualidade formal e estética, e devem estar equacionada a fatores sociais, culturais, antropológicos, ecológicos, ergonômicos, tecnológicos e econômicos. Diferente da arte, o design e a moda necessitam de planejamento levando em conta tanto os aspectos técnicos como os criativos e econômicos. Cada uma das três esferas possui um universo rico e particular que podem se relacionar e na contemporaneidade os seus limites estão cada vez maiores e menos visíveis.
Esta exposição não pretende esgotar as possibilidades de relações entre os campos de conhecimento, pelo contrário, busca suscitar novas reflexões e averiguações sobre eles em todos os aspectos, sejam eles criativos, sociais econômicos e culturais. O caráter pioneiro do assunto trazido para uma exposição no MARGS vem de encontro ao sentido de ampliar conhecimentos, uma vez que, já possui uma coleção de design iniciada em 2011 e pretende em um futuro próximo iniciar uma coleção de moda.
O desafio de organizar uma exposição com esta envergadura para discutir temas contemporâneos e suas relações está posto através de um conjunto de obras do acervo, de outras instituições e de artistas convidados em três áreas diferentes. As suas relações no espaço do museu vão criar transversalidades, pois cada uma destas áreas tem particularidades próprias, contudo podem se aproximar, se entrelaçar, ou mesmo se contaminarem entre si, estabelecendo um ponto comum e este está na criação.

1 CHATAIGNIER, Gilda, Fio a Fio: tecidos, moda e linguagem. São Paulo: Estação das Letras, 2006.
2 LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
3 COELHO, Luiz Antonio L. (Org.). Conceitos-chave em design. Rio de Janeiro: PUC-Rio Novas Idéias, 2008.

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